Cotão turbina os gastos das Câmaras do interior
Reajustes salariais e criações de Cotas para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap) deverão custar mais de R$ 13,3 milhões para as populações de Manacapuru, Iranduba e Parintins nos próximos quatro anos. A exemplo do que fez a Câmara Municipal de Manaus (CMM) e a Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (ALE-AM), seguindo o Congresso Nacional, os vereadores de Manacapuru garantiram a criação de seu próprio Cotão.
Na terra das cirandas, a Ceap será de R$ 13,7 mil por vereador. Além disso, foi aprovado ainda o reajuste do salário dos parlamentares, que saltou de R$ 7,8 mil para R$ 16 mil. O caso do município é mais emblemático porque a legislatura de 2025-2028 contará com 21 vereadores, enquanto a antiga possuía 17 parlamentares. Com a antiga remuneração e o número menor de parlamentares, além da inexistência do Cotão, os vereadores de Manacapuru custavam R$ 132,6 mil por mês e mais de R$ 1,5 milhão ao ano.
Uso da cota
A forma como os vereadores de Manacapuru poderão utilizar o Cotão é outra questão que gera polêmica. A lei original, promulgada em 29 de outubro de 2024, previa que a Ceap deveria ser utilizada para atender às despesas de combustíveis e lubrificantes, divulgação de atividade parlamentar com materiais gráficos impressos e xerox e locação de veículos e lanchas por empresas regularizadas.
Ocorre que, após sua promulgação, a regra foi alterada pelo menos três vezes até o mês de dezembro. A primeira alteração ocorreu já em 1º de novembro por meio de um projeto de lei do então presidente da casa, Tchuco Benício (PSD), que retirou a limitação de seis meses para um contrato entre o vereador e a mesma empresa fornecedora de veículos ou lanchas. Antes, o contrato com o mesmo CNPJ duraria um semestre, prorrogado por somente mais um período igual.
Além disso, foi retirada a palavra “expressamente” do trecho “somente serão admitidas como locadoras empresas cuja atividade descrita em seu registro comercial mencione expressamente a locação de veículos”, a obrigação de que a empresa deve ser sediada no mesmo estado com a retirada do trecho “devidamente registrado na junta comercial do estado onde a locadora está sediada”.
Outra mudança foi a revogação do artigo 5º da lei, que previa que a solicitação de reembolso seria efetuada “mediante requerimento padrão, assinado pelo parlamentar, que, nesse ato, declarará assumir inteira responsabilidade pela liquidação da despesa”. Na justificativa, Benício afirmou que as mudanças tratavam apenas da criação e disciplinação do uso das cotas, “dando-lhes mais autonomia e segurança jurídica na execução de suas atividades parlamentares”.
O segundo projeto de modificação foi promulgado em 27 de novembro também por meio de um PL de Tchuco Benício, que alterou o artigo 2º da lei, fazendo com que o Cotão fosse empregado da seguinte forma: até 30% dos recursos serviriam para custear combustíveis e lubrificantes, 10% com planos de telefonia e internet, marketing, alimentação e divulgação da atividade parlamentar; e 60% com locação ou frete de veículos e lanchas.
Reajuste
Por fim, um terceiro projeto assinado pela Mesa Diretora alterou a forma como o Cotão seria reajustado. Antes, o valor subiria “na proporção do aumento de percentual do repasse da Câmara Municipal de Manacapuru, e havendo diminuição do repasse, deverá ser formalizado para menor”. Já na modificação promulgada em 16 de dezembro de 2024, a possibilidade de diminuição da Ceap foi retirada.
Além disso, foi mantido o uso de 30% da verba para custeio de combustíveis e lubrificantes, mas os demais pontos foram modificados: até 40% pode ser usado na divulgação de atividade parlamentar e até 90% no pagamento de diárias. O reembolso deve ser pago sempre no dia 27 de cada mês ou primeiro dia útil posterior.
Salários vão custar R$ 3,5 milhões
No Município de Iranduba, o salário dos vereadores subiu de R$ 7,5 mil para R$ 12.495. Ou seja, se na última legislatura o gasto mensal era de R$ 97,5 mil e o anual era de R$ 1,17 milhão, nos próximos quatro anos serão gastos R$ 292,4 mil ao mês e mais R$ 3,5 milhões ao longo de doze meses com os salários dos 13 vereadores.
Para pesar ainda mais a conta, os vereadores de Iranduba possuem seu próprio Cotão desde 2016. Contudo, no final de 2024, a Câmara Municipal aprovou o reajuste da Ceap para R$ 10 mil, fazendo com que os parlamentares tenham até R$ 130 mil ao mês para custear suas atividades, ou R$ 1,56 milhão ao longo de um ano. Somado ao custo total do salário, os vereadores de Iranduba custarão mais de R$ 3,5 milhões.
No Município de Parintins já existe uma forma mais de rudimentar de Cotão, o qual é usado exclusivamente para custear combustível. Segundo a lei, aprovada em 2013 e alterada em 2021, o reembolso é limitado a 500 litros de combustível ao mês. O problema é o fato dessa despesa ser afetada pela flutuação do preço da gasolina.
Em outubro de 2024, segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Parintins tinha o maior preço médio de gasolina do país: R$ 7,68. Ou seja, um vereador poderia usar, mensalmente, até R$ 3.840 somente no pagamento de combustível.
No quesito salário, os parlamentares da ilha da magia fixaram a remuneração desta legislatura em R$ 11,5 mil, totalizando R$ 149,5 mil para os 13 vereadores por mês e R$ 1,79 milhão por ano. Somando os vencimentos ao custo total da gasolina, os vereadores de Parintins podem custar até R$ 2,39 milhões por ano, embora esse valor possa aumentar ou diminuir dependendo do preço do combustível.
Reajuste da Ceap acabou na Justiça
Nos últimos anos, o Cotão da Câmara Municipal de Manaus (CMM) foi o pivô de algumas das maiores polêmicas da casa. Em 2021, os vereadores aprovaram o reajuste da Ceap de R$ 18 mil para R$ 33 mil por vereador, 83% de aumento. Na época, a CMM era presidida pelo vereador David Reis (Avante), que retornou ao cargo em 2025. Com isso, o custo mensal somente com a cota parlamentar seria de R$ 1,35 milhão, que se transformaria em mais de R$ 16 milhões em um ano.
Em novembro de 2023, a juíza Etelvina Lobo Braga determinou a suspensão do pagamento do Cotão após anular o projeto que o reajustou. A ação foi movida pelo atual deputado federal Amom Mandel (Cidadania) e o vereador Rodrigo Guedes (PP), alegando a existência de ato lesivo ao patrimônio público. De acordo com os autores, o aumento não contém argumento necessário com justificativa detalhada da necessidade e urgência.
O texto também destaca que o PL submetido no dia 15 de dezembro de 2021, não atendeu ao rito ordinário de tramitação das propostas legislativas previstas em lei, seguindo a tramitação a casos de regime de urgência, indo contra o regimento interno da Câmara.
Somente em março de 2024, a magistrada aceitou o recurso movido pela CMM e derrubou a decisão anterior. Em sua análise, a juíza considerou uma decisão proferida pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), a qual havia extinguido a ação movida por Rodrigo Guedes e Amom Mandel sob o argumento de “desconformidade com o entendimento firmado em segunda instância”.
Segundo o sistema do tribunal, a ação foi extinta sem resolução do mérito “por inadequação da via eleita”. No recurso, a Procuradoria da CMM relembrou o fato, destacando que a decisão “transitou em julgado em 14/04/2023”. A magistrada aceitou o argumento.