Obra literária de servidora da Prefeitura de Manaus concorre ao Prêmio Jabuti
Pela audição é possível criar significados que permitem a compreensão do mundo. Mas como funciona o sistema auditivo? Quais os cuidados necessários para preservar esse sentido e como pais, professores e profissionais de saúde podem apoiar o desenvolvimento de uma criança com deficiência auditiva? Essas inquietações estimularam a fonoaudióloga Mariana Pedreett, que trabalha no Centro Especializado de Reabilitação (CER) da Prefeitura de Manaus e há 15 anos se dedica a crianças com deficiência auditiva, a produzir o livro infantil “As três Orelhas”, que, de maneira lúdica e ricamente ilustrada, explora o processo da escuta humana.
O impacto da obra no cotidiano de crianças, pais, professores, fonoaudiólogos e psicólogos foi tão positivo, que o livro está concorrendo ao Prêmio Jabuti, promovido pela Câmara Brasileira do Livro, o mais tradicional reconhecimento da literatura nacional. “As três orelhas” concorre nas categorias literatura infantil e ilustrações, que foram produzidas pela filha de Mariana, a estudante de medicina Bia Pedrett.
Antigo sonho que responde ao anseio da fonoaudióloga para facilitar o processo de habilitação e reabilitação da função auditiva em crianças que fazem implante coclear, o livro foi lançado em outubro do ano passado. “Eu fiz essa obra praticamente em três dias, mas as ideias já estavam fervilhando há muito tempo. Depois que terminei, li para minha família e todos gostaram do trabalho”.
Para a secretária municipal de Saúde, Shádia Fraxe, a obra é um passo importante no processo de conhecimento sobre o aparelho auditivo, resultando em uma visão mais inclusiva sobre as pessoas com deficiências auditivas. “A partir do conhecimento, nós conseguimos superar barreiras que dificultam a compreensão do outro e, nesse aspecto, esse trabalho é maravilhoso por permitir a assimilação do quanto é importante trazer esse tema para discussão na coletividade de uma forma simples e leve”, assinalou.
Envolvimento
O implante coclear é um dispositivo que permite resgatar a função auditiva. Mariana explica que o desafio dos profissionais da fonoaudiologia está justamente neste processo de reabilitação, uma vez que precisam realizar um trabalho em três frentes, com atendimento à criança que está usando o dispositivo, orientações à família e direcionamentos à escola, porque o professor de uma criança com surdez, muitas vezes, utiliza apenas da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), quando é necessário o envolvimento de outras medidas para a reabilitação desse aluno no ambiente escolar.
“Foi quando eu pensei que um livro com uma proposta lúdica, com ilustrações e linguagem simples, ia facilitar a compreensão de todos os que cercam essa criança. As pessoas não conhecem como funciona a orelha humana em si, a gente se fixa muito na parte externa. E à medida que eu mostro de uma maneira mais lúdica sobre como funciona esse sistema auditivo, abordando esse universo dos sons, explicando como eles são processados em um sistema mais alto das habilidades complexas, todos passam a cooperar nessa reabilitação”, explica Mariana Pedrett.
Três orelhas
A obra teve um alcance que ultrapassou o objetivo inicial de contemplar as crianças. Hoje, o livro está sendo utilizado como material de apoio por professores, psicólogos e fonoaudiólogos, devido ao baixo número de obras de literatura infantil sobre esse tema. “No processo de desenvolvimento humano, a fala costuma ser mais valorizada, mas é pela audição, por meio da orelha externa, orelha média e orelha interna, que o som é compreendido, e o cérebro, a terceira orelha, é o responsável por todo esse sistema complexo, e vai permitir que a fala seja processada”, esclarece.
Além de mostrar o funcionamento do sistema auditivo, a obra também apresenta uma série de condições que podem colocar em risco este sentido, como o uso de fones de ouvido de forma prolongada, hábito frequente entre crianças e adolescentes. “São tantos insights que as crianças possibilitam para a gente que trabalha com fonoaudiologia, que já é possível pensar em um segundo livro reforçando a inclusão”, frisa.
O livro “As três orelhas”, possui 40 páginas e foi lançado em outubro do ano passado, podendo ser adquirido pelo site da Editora Valer por meio do link https://bit.ly/3hkKfm6 . O resultado dos dez finalistas do prêmio Jabuti será anunciado em outubro. “Mas, independentemente do resultado, já me considero vencedora pelo retorno positivo de quem está usando a obra. Recebe elogios de profissionais de todo o Brasil e isso é gratificante”, resume Mariana.
A fonoaudióloga Rilana Joquebede Araújo, especializada em Reabilitação Auditiva pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, é uma unidade (FOB/USP), que atua na rede pública com o público infantojuvenil de 0 a 12 anos, tem usado o livro “As três orelhas” em seus atendimentos e ressalta que “as famílias se encontram nesse livro, pois se identificam, não é difícil encontrarmos na literatura poesias, poemas e romances descrevendo as diversas etapas da nossa vida, mas encontrar uma que vai de encontro com a jornada de cada família, da importância dos sons mais baixinhos, da valorização das pequenas experiências auditivas, como o som da chuva que cai, ou de um som que não nos agrada é muito gratificante”, avalia.
Para ela, o impacto do livro também pode ser medido pela reação de seus pacientes, que amam as ilustrações e é sempre escolhido para leitura na sala de espera. “Alguns até pedem para levar pra casa. Uma paciente que recebeu alta do atendimento por ter atingido todos os objetivos pediu um exemplar de presente”, acrescenta.
Orgulho
A diretora do Centro Especializado em Reabilitação, Janaina Oliveira, enfatiza que a obra teve um impacto muito positivo na equipe da unidade que atende, em média, 80 pessoas diariamente nas áreas de psicologia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e atendimento médico.
“Isso é um orgulho para nós. Ter uma profissional desse nível que contribui com seus conhecimentos de forma didática, que agrada às crianças e apoia outras especialidades é bom demais para todos nós”.
O CER, que fica na rua Teresina, bairro Adrianópolis, na zona Centro-Sul de Manaus, é administrado pela Semsa e reúne profissionais que trabalham diretamente com usuários que precisam de reabilitação. São pacientes neurológicos, com problemas ortopédicos, que precisam de apoio psicológico, fonoaudiologia que integram a equipe multidisciplinar, com enfermeiros e técnicos administrativos.
Para ter acesso aos atendimentos, os usuários precisam de encaminhamento médico da rede pública ou particular de saúde para o agendamento de uma avaliação para este paciente e posterior atendimento.
Texto – Tânia Brandão / Semsa
Fotos – Camila Batista / Semsa