Seca do rio Negro deve ser recorde em 13 dias
A seca deste ano no Amazonas está a caminho de se tornar a pior da história, superando o recorde de 2023. O cenário é resultado da escassez de chuvas, agravada por uma cheia abaixo do esperado no primeiro semestre. Todos os 62 municípios do estado encontram-se em situação de emergência, com mais de 330 mil pessoas já afetadas.
Na régua de Manaus, o rio Negro está secando a uma média de 25 centímetros por dia. Neste ritmo, em cerca de 13 dias a água deve ultrapassar a cota de 12,70 metros, registrada em 26 de outubro de 2023.
“Há uma série de fatores a considerar. Ainda estamos em setembro e não está chovendo. As chuvas, aliás, devem demorar. O rio está descendo cerca de 25 centímetros por dia. Com isso, é possível dizer que a perspectiva é de que a seca deste ano supere o recorde de 2023”, afirma ele.
Outro ponto citado pelo especialista é o fato de os rios estarem em cotas abaixo do que foi registrado no mesmo período do ano passado. Em 16 de setembro de 2023, por exemplo, o rio Negro marcou 20 metros na régua de Manaus. Já nesta segunda-feira, mesmo dia de 2024, as águas estavam em 15,99 metros – quatro metros a menos.
“Nós só não teríamos esse recorde se houvesse uma mudança considerável na natureza, especialmente na questão climatológica. Porém, os indícios que temos até aqui não demonstram que possa haver essa mudança”, afirma José Alberto.
Na avaliação dele, os rios devem manter o período de vazante por pelo menos mais um mês e meio, o que reforça a necessidade de o poder público atuar para garantir assistência às populações diretamente atingidas.
“Nós tivemos essa experiência no ano passado e não foi suficiente. Observamos que as autoridades federais, estaduais e municipais não se prepararam. Não levaram em conta essa previsão da ciência de que o El Niño ia continuar até abril, com seus efeitos se estendendo por mais tempo”, critica.
“Já há tecnologias que permitem fazer previsões com certo grau de acerto, então algumas ações preventivas poderiam ser feitas. Uma delas é se pensar em construir uma rede de poços para captar água para a população, já que não tem como evitar a seca”, avalia.
O acesso à água potável é considerado um problema na região amazônica e no Amazonas, e que é acentuado em períodos de seca. De acordo com o Painel do Saneamento, do Instituto Trata Brasil, dois em cada dez amazonenses não têm acesso à água tratada (20,4% da população).
Na seca do ano passado, comunidades que ficaram isoladas, inclusive na zona rural de Manaus, precisaram cavar poços não adequados para conseguir encontrar água. Já neste ano, os municípios de Envira, Rio Preto da Eva e Presidente Figueiredo estão precisando racionar água na zona urbana.
Impactos
Doutor em Clima e Ambiente, o professor Rogério Marinho avalia que os sinais apresentados até o momento indicam um novo recorde de estiagem. Ele destaca que os fenômenos de vazante e cheia, embora normais, têm ficado cada vez mais intensos e comuns.
“Existem variações naturais de eventos extremos, inclusive, muito próximos. Em um ano, acontecia uma seca e no outro, uma cheia. Porém, o que temos observado é que os fenômenos estão mais intensos e fortes, inclusive com cheias e secas muito próximas. O que acontecia a cada 20, 30 anos, agora ocorre em menos de dez anos”, afirma.
Um estudo divulgado em janeiro deste ano apontou que o aquecimento global tornou a seca do ano passado 30 vezes mais provável de acontecer. O aumento das temperaturas foi considerado determinante para a intensidade e extensão do fenômeno. A pesquisa foi feita por uma equipe internacional de 18 cientistas, dentre eles, pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Muitos lugares no rio Solimões e seus tributários já estão isolados. As comunidades que ficam na margem dos rios sofrem. Se adaptam, mas com custo elevado. É o caso de Alvarães, que se conectava com Tefé por meio da comunidade Nogueira, ali no Médio Solimões. Um trajeto que você fazia com catraia e mototáxi, hoje é só lancha e R$ 50 por trecho”, pontua.
Para ele, é preciso que ocorra um debate sobre medidas de médio e longo prazo, considerando que as secas e cheias continuarão a acontecer nos próximos anos. Uma possibilidade é retirar pessoas de áreas consideradas de risco, mas até mesmo essa ação ainda precisa ser avaliada, segundo Rogério Marinho.
“Essas soluções precisam ser discutidas em vários níveis, incluindo governos, mas também com as comunidades. A retirada de pessoas é uma solução, mas os próprios moderadores podem não querer, porque imagina sair de uma área de risco para seca e ir para uma cidade em que você será inserido em uma outra área com risco socioambiental. É preciso pensar na complexidade do cenário”, avalia.