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Mortes em Gaza revelam desafios de entrega de ajuda humanitária em meio a conflito entre Israel e Hamas

O sol ainda não havia nascido na Cidade de Gaza quando um comboio com 38 caminhões com ajuda humanitária vindo do Egito chegou ao bairro de Rimal, no norte do enclave palestino, levando insumos básicos para um população que há quase cinco meses enfrenta um bloqueio total de Israel. A cena que se deu a seguir, por volta das 4h40 da manhã (horário local), no entanto, foi assustadora. Ao menos 112 pessoas morreram e 760 ficaram feridas após o Exército israelense supostamente ter disparado contra os civis, que, por sua vez, teriam iniciado um empurra-empurra, seguido de pisoteamento e atropelamentos, para garantir acesso à comida e aos medicamentos — em quantidades insuficientes para todos.

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— A quantidade de ajuda humanitária que está chegando é insuficiente. As pessoas estão desesperadas. Falta segurança, comida, abrigo e assistência médica — disse ao GLOBO Sandra Lefcovich, coordenadora de Comunicação da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). — Esse incidente é um lembrete gritante do motivo pelo qual muito mais ajuda deve entrar em Gaza e chegar com segurança às pessoas necessitadas.

O Direito Internacional Humanitário (DIH) prevê que a potência ocupante, “que neste caso é Israel”, seja responsável por fornecer e garantir a entrega de serviços humanitários para a população do território ocupado, cuidando também da segurança dos civis e dos comboios, explica Riham Jafari, coordenadora de advocacy e comunicação da ActionAid na Palestina. Segundo ela, porém, Israel descumpre essa regra ao permitir que apenas uma quantidade limitada de insumos entre no território palestino.

— A população de Gaza está vivendo em condições humanitárias catastróficas há meses, especialmente no norte [onde destruição, combates e saques tornam quase impossível o transporte de ajuda humanitária], por isso as pessoas têm tanta pressa em receber seus auxílios — afirmou Jafari por telefone. — Mas abrir fogo contra pessoas que estão disputando comida não é justificável. Eles são civis. São pessoas famintas à espera de alguma comida para alimentar sua família, seus bebês.

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Israel e o lado palestino apresentaram relatos diferentes de como as vítimas morreram na Cidade de Gaza. Testemunhas e sobreviventes disseram que disparos das forças israelenses atingiram a multidão e os caminhões de ajuda humanitária — segundo Mohammed Salha, diretor interino do hospital al-Awda, que tratou 161 pessoas feridas no incidente, a maioria delas parecia ter sido atingida por tiros.

 

Já o porta-voz das Forças Armadas israelenses, Daniel Hagari, disse em uma entrevista coletiva na noite de quinta-feira que só foram feitos disparos de alerta para dispersar a multidão, e que os aviões que sobrevoavam a área não realizaram ataques aéreos. Mais cedo, as Forças Armadas de Israel afirmaram em um comunicado que as mortes decorreram de uma confusão durante a entrega da ajuda, com os soldados somente tendo disparado para o ar e contra as pernas de um grupo de residentes que se afastou do comboio humanitário e se aproximou de uma unidade militar israelense.

À Reuters, uma fonte israelense afirmou, previamente ao comunicado do Exército, que as tropas de Israel abriram fogo contra “várias pessoas” que cercaram o comboio porque se sentiram ameaçadas.

Outro episódio

A Médicos Sem Fronteiras está “horrorizada com as últimas notícias da Cidade de Gaza” e considera Israel responsável pela situação de “extrema privação e desespero que prevalece no território palestino, particularmente no norte”, o que teria levado aos “trágicos eventos”, disse Isabelle Defourny, presidente da organização, em nota.

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“A equipe da MSF não estava presente no local e, devido à má qualidade das telecomunicações, não conseguimos entrar em contato com nossa equipe médica que ainda trabalha em alguns hospitais no norte do país. Mas o que sabemos é que a situação em Gaza, e particularmente no norte, é catastrófica”, declarou, acrescentando que alguns funcionários da organização relataram estar recorrendo à ração para animais de estimação para sobreviver.

Todas as fontes ouvidas pelo GLOBO concordam que a morte de mais de 100 palestinos em Gaza durante uma entrega de ajuda caótica indica que não há solução humanitária para o território sem um cessar-fogo entre Israel e o Hamas, cujo ataque terrorista a Israel em 7 de outubro deixou quase 1.200 pessoas mortas e fez outras 240 de reféns.

— Embora ainda não tenhamos detalhes sobre o que aconteceu, o fato demonstra de maneira inequívoca a necessidade de um cessar-fogo imediato e duradouro em Gaza — defendeu a diretora-executiva de MSF no Brasil, Renata Reis, segundo a qual as condições atuais no território palestino praticamente impossibilitam a realização do trabalho humanitário. — Apenas com o fim das hostilidades será possível estabelecer um fluxo efetivo de ajuda humanitária à população do território.

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O CICV também reiterou seu apelo por “um fluxo regular e sem impedimentos de assistência humanitária e por condições necessárias para a distribuição dessa ajuda”, lembrando que “é responsabilidade das partes envolvidas no conflito garantir que os civis tenham acesso regular a suprimentos básicos como comida, água e abrigo”.

Segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), quase 2,3 mil caminhões de ajuda entraram na Faixa de Gaza em fevereiro, com uma média de 82 veículos por dia. O número é 50% menor que em janeiro — antes do conflito atual, quando as necessidades da população eram menos urgentes, cerca de 500 caminhões entravam no enclave todos os dias.

Na segunda-feira, em outro episódio, uma multidão de palestinos se jogou ao mar para tentar recuperar parte dos suprimentos enviados por aeronaves jordanianas e francesas que haviam caído na costa. No dia seguinte, o Exército jordaniano afirmou que as aeronaves precisaram voar em uma altitude baixa para realizar a entrega. Em comunicado, o Ministério das Relações Exteriores francês ressaltou que há um número “crescente de civis em Gaza morrendo de fome e doenças”, e que há necessidade de mais vias para entregas de ajuda, incluindo o porto de Ashdod em Israel, ao norte de Gaza.

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Grupos de ajuda geralmente lançam suprimentos por ar apenas como último recurso, dada a ineficiência e o custo relativo do método em comparação às entregas por estrada, além dos perigos de navegar no espaço aéreo de uma zona em conflito e do risco para pessoas que poderiam ser potencialmente atingidas.

— Cada minuto que passa sem cessar-fogo significa mais mortes, mais pessoas famintas, mais vítimas, mais perdas de vidas de crianças e mulheres em Gaza — concluiu Jafari.

Após as mortes de quinta, Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional, um dos mais radicais integrantes do Gabinete de Benjamin Netanyahu, louvou a atitude dos militares, e chamou de “loucura” a manutenção dos envios de itens básicos ao território.

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