Ministros acompanham casamento coletivo de indígenas no interior do AM
O corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, participou da cerimônia civil do casamento coletivo de 26 casais indígenas de 13 etnias, realizada no final da manhã da última quinta-feira (20), em São Gabriel da Cachoeira, distante 852 quilômetros da capital. O município é considerado o mais indígena do Brasil por registrar a maior população autodeclarada indígena, conforme o último censo do IBGE.
O projeto do casamento coletivo tem o objetivo de promover a regularização jurídica de casais que não tiveram condições ou oportunidade de oficializar a união. (Foto: Acyane do Valle/CGJ-AM)
O “sim” dos casais das etnias Baniwa, Dessano, Baré, Kubeo, Tuyuka, Tukano, Barassana, Tariano, Arapasso, Piratapuya, Ybamasã, Hupda e Wanano foi testemunhado também pelo ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça (STJ); pelo desembargador Jomar Fernandes, corregedor-geral de Justiça do Amazonas; magistrados das Corregedorias Nacional e Estadual de Justiça; pelo prefeito de São Gabriel da Cachoeira, Clóvis Saldanha, que é da etnia Tariano; e outras autoridades locais e lideranças indígenas.
O casamento foi celebrado pelo juiz-corregedor auxiliar do Amazonas, Áldrin Henrique Rodrigues, que iniciou a celebração lembrando que a ocasião lhe trouxe uma memória afetiva e externou sua gratidão e felicidade por estar diante de casais de várias etnias para formalizar esse momento importante de suas vidas.
“Fico honrado por ter sido designado pelo corregedor-geral de Justiça do Amazonas para celebrar o casamento coletivo indígena em São Gabriel da Cachoeira, especialmente porque remonta uma memória afetiva, pois minha avó também era indígena”, comentou.
O juiz-corregedor auxiliar do Amazonas, Áldrin Henrique Rodrigues, celebrou o casamento coletivo. (Foto: Ascom/Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira)
Ao se dirigir diretamente aos casais, que capricharam no visual, o magistrado também comentou sobre o amor, do sentimento que podemos entregar ao outro. “Compreender o outro é sempre muito mais difícil, é preciso tolerância, paciência e respeito”, acrescentou, enfatizando que o amor vence qualquer barreira. O magistrado elaborou, especialmente para a ocasião, um texto para os noivos, intitulado “Um lugar encantado”:
“Cedo a chuva se fez presente como se quisesse derramar bênçãos de Tupã sobre a terra. Guaraci, o sol, também quis presenciar o momento solene do amor. Os pássaros cantaram anunciando que haveria festa na floresta e novos enlaces. Estávamos, pois, diante de um lugar encantado com seres míticos que nem mesmo tínhamos tamanha dimensão da grandeza: as matas, a lua, o sol, a força da água e, o principal, a magia do amor que nos invadiu tão fortemente, fazendo-nos iguais e irmãos “manos ou parente”, sem patentes, sem títulos, apenas iguais, mas também únicos. Era um lugar encantado com sua história, suas línguas, cultura e povo, mas unidos por um único elemento: o amor.” (Áldrin Rodrigues)
Tradução
Ao realizar a clássica pergunta ao primeiro casal, se eles aceitavam casar-se, o questionamento a ambos precisou ser traduzido para a língua baniwa, pois os dois não entendiam o português. O juiz finalizou a celebração, declarando “casados” nas línguas tukano, baniwa e nheengatu, um dos momentos de grande emoção no Ceti Pedro Fukuyei Yamaguchi Ferreira, na sede de São Gabriel da Cachoeira. “A cerimônia buscou valorizar os povos originários, estudei e finalizei a celebração em quatro línguas: tukano, baniwa, nheengatu e português”, disse o juiz, que passou a ser o primeiro a finalizar uma cerimônia de casamento coletivo em quatro línguas, sendo três de povos originários.
O juiz-corregedor auxiliar passou a ser o primeiro a finalizar uma cerimônia de casamento coletivo em quatro línguas, sendo três de povos originários. (Foto: Acyane do Valle/CGJ-AM)
“Iara pessuri pemendai uá”, palavras em nheengatu – língua falada por vários grupos de indígenas – e que em português significam “que seu casamento seja feliz”, foram ditas pelo mestre de cerimônia, Rony Santos, antes de chamar os recém-casados para a foto oficial.
O evento foi organizado pela Prefeitura do Município, através da Secretaria Municipal de Assistência Social, em parceria com o cartório extrajudicial de São Gabriel e com apoio da CGJ e do Tribunal de Justiça do Amazonas. De acordo com o Município, o projeto do casamento coletivo tem o objetivo de promover a regularização jurídica de casais que não tiveram condições ou oportunidade de oficializar a união.
“Desejo que construam o amor de vocês, que hoje vieram manifestar aqui, como se fosse uma casa bem firme, uma rocha. Que tenham muito carinho um pelo outro, junto com seus familiares, suas tradições e costumes e que sejam felizes”, declarou o corregedor nacional, ministro Luis Felipe Salomão, ao final da cerimônia.
Ao final do seu discurso, o ministro-corregedor se dirigiu diretamente aos noivos e desejou felicidades. (Foto: Ascom/Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira)
Provimentos e apresentação
Um pouco antes de o casamento ser iniciado, houve uma apresentação cultural de canto e dança da agremiação Tuyuka para os presentes. Logo depois, o corregedor-geral de Justiça do Amazonas, desembargador Jomar Fernandes, assinou três provimentos relacionados às populações indígenas. O primeiro deles, o Provimento n.º 435/2023, estabelece a obrigatoriedade de cadastro no sistema Projudi de informações relativas à raça, etnia indígena, idioma falado e grau de compreensão da língua portuguesa.
No momento em que os provimentos da CGJ/AM, voltados às populações indígenas, estavam sendo assinados em São Gabriel da Cachoeira. (Foto: Acyane do Valle/CGJ-AM)
O Provimento n.º 436/2023, estabelece o acompanhamento da Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas em relação às atividades desenvolvidas pela Vara Única de São Gabriel da Cachoeira, voltadas à garantia dos direitos dos povos indígenas. E o último, o Provimento n.º 437/2023, estabelece que o procedimento a ser utilizado pelos oficiais de Justiça no cumprimento de mandados de intimações e citações dirigidos à pessoa indígena.
Corregedoria em São Gabriel
Ao se dirigir aos casais indígenas, seus familiares, convidados e autoridades, o corregedor nacional falou sobre os objetivos da vinda ao município. “É a primeira vez que a Corregedoria Nacional de Justiça visita o município de São Gabriel da Cachoeira. Estamos realizando esse trabalho em conjunto com a Corregedoria-Geral de Justiça do Amazonas com a finalidade de verificar o funcionamento da Justiça neste município. Queremos saber como o Judiciário está atuando; se há o efetivo acesso à Justiça, sobretudo nesta região com tanta diversidade étnica. Queremos entender a realidade local e como e onde podemos melhorar para nossa satisfação, estamos começando com essa cerimônia de casamento”, comentou o ministro Luis Felipe Salomão.
O ministro Mauro Campbell Marques, do STJ, disse que levar pessoas consideradas formadoras de opinião ao Amazonas, principalmente a municípios como São Gabriel da Cachoeira, para conhecer a realidade do estado, dos povos originários e as dificuldades logísticas como um todo, representa uma oportunidade de “lançar luz” a esta terra, para iluminar as suas demandas e necessidades.
“Espero que outros ministros – do STF, de Estado e outras autoridades, venham ao nosso estado e se sensibilizem com as dificuldades enfrentadas todos os dias pelas pessoas que aqui vivem; com as complexidades da região; as peculiaridades da vida do amazônida”, afirmou o ministro Mauro Campbell.
O ministro Mauro Campbell, do STJ e diretor-geral da Enfam, destacou a importância de se conhecer a realidade do Amazonas, especialmente a dos povos originários. (Foto: Ascom/Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira)
Além dos ministros e do corregedor estadual de Justiça, também estavam presentes os juízes auxiliares da Corregedoria Nacional Renata Gil e Márcio Boscaro; os juízes auxiliares da CGJ Áldrin Henrique Rodrigues e Rafael Cró; o juiz Flávio Henrique Freitas, titular da Vara de Crimes de Trânsito da Comarca de Manaus, designado para a correição extraordinária; o chefe de Gabinete da CGJ, Sérgio Amorim; e servidores do Poder Judiciário.