Amazonas

Arqueólogos identificam 48 ilhas construídas por indígenas na Amazônia da era pré-colonial

Pesquisadores do Instituto Mamirauá trabalham na identificação de estruturas encontradas em áreas de várzea no Amazonas; levantamento foi feito em 4 anos. Segundo o IPHAN, quase 400 sítios arqueológicos achados no estado estão registrados no cadastro nacional.

As longas distâncias percorridas em voadeiras e as conversas informais com ribeirinhos resultaram no registro de 48 ilhas criadas artificialmente por indígenas no período anterior à era-colonial na floresta amazônica.

Entre 2015 e 2019, arqueólogos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá trabalharam na identificação dessas estruturas, localizadas em áreas de várzea do Médio e Alto Solimões, no Amazonas.

“Um dos principais pontos de importância (da identificação das ilhas) é a engenhosidade humana frente às adversidades, pois na Amazônia se tem uma ideia vaga e pensa que populações que viveram aqui não conseguiram desenvolver estratégias e evoluir. É uma resposta positiva de como se integrar à natureza e como aproveitar recursos de uma maneira mais ordenada e se ter segurança, alimento, fatura. É um legado que a gente precisa passar das populações que viveram na floresta amazônica”, declarou Márcio Amaral, pesquisador do instituto que encontrou as ilhas.

Uma das hipóteses dos arqueólogos envolvidos no levantamento aponta que essas ilhas podem ter sido construídas por indígenas Omáguas, ancestrais dos Kambeba, população composta atualmente por cerca de 1,5 mil indivíduos, segundo o Instituto Socioambiental (ISA).

Os pesquisadores acreditam também que há chances dessas áreas terem sido ocupadas ainda entre os séculos XV e XVI, época em que os europeus começaram a passar pela Amazônia – principalmente no entorno do rio Solimões. O indício reforça a teoria de que o bioma possivelmente já era ocupado nesse período por grupos organizados e complexos.

“Essas ilhas foram encontradas meio que por acaso. Por acaso por nós, pesquisadores. Na verdade, a gente estava fazendo trabalho de levantamento de sítio. Eram áreas que a gente não conhecia nada, não sabia nem como eles eram. Isso é interessante porque todas essas informações já vieram dos moradores. Só vamos incorporando essas informações”, complementou Eduardo Kazuo, coordenador do grupo de pesquisa em arqueologia do Instituto Mamirauá.

Mas os dados ainda são preliminares. Segundo os arqueólogos, ainda não se tem conhecimento, por exemplo, sobre o período de ocupação das ilhas ou quais as culturas indígenas que estavam ali.

Os “aterrados”, como são chamados pelas pessoas que moram nas proximidades, medem pelo menos de um a três hectares por sete metros de largura. Márcio Amaral cita que somente na última expedição, ocorrida em novembro de 2019 e com duração de 12 dias, encontrou 13 ilhas. Todo o trabalho dos pesquisadores abrange uma área de 180 mil km² e 350 sítios arqueológicos já foram mapeados.

“O primeiro traço diagnóstico dessas ilhas é a forma singular na paisagem. Há um microbioma nessas ilhas que tem relação com plantas úteis, árvores frutíferas, algumas plantas medicinais. Se tem uma floresta antropogênica, que tem um fundo de criação humana, com árvores e espécies úteis aos seres humanos que é diferenciado do entorno imediato da várzea. A cobertura florestal é diferente”, acrescentou.

Márcio também conta ter encontrado resquícios de material cerâmico nas ilhas. Segundo o arqueólogo, cacos, potes, panelas e tigelas achados eram usados, principalmente, para preparar os alimentos e armazená-los, “além de várias outras coisas de origem orgânica, como ossos, carvões, até o chamado ‘pão de índio’, que pode ser mandioca ou milho, processado e armazenado de maneiras que poderiam ser estocado de um ano para o outro”, acrescentou.

Próximos passos

O material encontrado pelos pesquisadores ainda precisa ser registrado junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para que possam, então, conseguir recursos e retornar a campo. O objetivo é seguir com o trabalho de escavação para futuras análises. Conforme Eduardo Kazuo, um relatório sobre as identificações está sendo preparado para ser encaminhado ao instituto.

Somente no Amazonas, 395 sítios arqueológicos estão registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) e mais de mil já foram identificados, conforme o IPHAN. Todos são protegidos pela Lei Federal 3.924, de julho de 1961. Ainda conforme o IPHAN, o tipo de sítio mais conhecido no estado do Amazonas são os que estão relacionados com as ocupações ceramistas.

“Contudo, na minha visão, os agentes de preservação mais importantes dos sítios arqueológicos, sobretudo na Amazônia, são as comunidades que ali vivem no entorno e muitas vezes sobre os sítios arqueológicos, que conhecem esses sítios, auxiliam os pesquisadores a identificarem esses lugares, registrarem e pesquisarem. Eu vejo os moradores dos sítios arqueológicos como os principais agentes de conservação”, declarou a arqueóloga Helena Lima, pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).

“Na Amazônia, a gente não tem muita pedra como material construtivo. Não tem muita rocha. Então, o que que era utilizado por esses povos como material construtivo que viviam ali? Era a própria terra, o solo que era movimentado, coisas de madeira e de palha que se apodrecem muito rapidamente ao longo do tempo. Então normalmente um sítio arqueológico na Amazônia vai ter muita cerâmica fragmentada na superfície, vai ter restos de plantas e ossos de animais, vai ter solos escuros, que são as terras pretas, mas em alguns lugares vamos encontrar aterros artificiais, que são como ilhas”, explicou o arqueólogo e professor da USP Eduardo Neves.

Ainda de acordo com o professor Eduardo Neves, tais registros revelam informações sobre uma Amazônia ocidental que é “absolutamente desconhecida”.

“E segundo que mostra uma variabilidade, pois se a gente olhar para os povos indígenas hoje no Brasil e na Amazônia, a gente percebe que tem uma diversidade cultural muito grande que pode ser aferida das diferentes, centenas, dezenas de línguas indígenas faladas na Amazônia, na América do Sul, mas na Amazônia em particular”, reforçou.

Fonte – g1.globo.com

Foto – Márcio Amaral/Instituto Mamirauá

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