DESTAQUEEntretenimento

Tambores de Gambá e Marabaixo se unem ao boi-bumbá no espetáculo do Caprichoso

Parintins – A toada Málùú Dúdú (Boi Negro, em Iorubá) do boi Caprichoso, composição de Adriano Aguiar, Tomaz Miranda e Gean Souza, ganha a força dos tambores amazônicos: Tambor de Gambá, ou Gambá Grande, e Caixa de Marabaixo. Os instrumentos de percussão compõem o espetáculo “Cultura – O Triunfo do Povo” e foram utilizados no ensaio técnico de arena desta segunda-feira (24).

Segundo o baterista e percussionista Ygor Saunier, 37 anos, escritor e pesquisador dos ritmos amazônicos há dez anos, a Caixa de Marabaixo foi feita pelo músico e artesão, Pedro Rosário dos Santos, 63 anos, o mestre Pedro Bolão, reconhecido pelo estado de Amapá (AP) como maior divulgador da cultura amapaense. De raízes quilombolas, o mestre vive no Quilombo do Curiaú onde atua com projetos sociais e oficinas de confecção de tambores.

“O mestre é um dos autores da minha pesquisa de doutorado com o Marabaixo. O mestre Pedro Bolão fabricou essa caixa. Ele é um dos principais fabricantes da caixa de Marabaixo, dessa tradição do Amapá. Essa caixa foi fabricada especificamente para o Festival de Parintins. Ela (a caixa) é grande e tem 18 polegadas de medida. As caixas têm normalmente entre 14 e 16 polegadas. Ele (Bolão) disse para mim ‘foi fazer uma para estrondar na arena’”, disse Saunier.

De origem africana, o Gambá Grande com Ygor pertenceu ao museólogo, pesquisador e músico Waldo Mafra, o mestre Barrô do Gambá. Esse tambor é tradicional de Maués (município distante 267 quilômetros em linha reta de Manaus). Waldo morreu aos 62 anos em 2021, em vida foi um expoente do Grupo Gambá de Maués e responsável pelo processo de revitalização da cultura gambazeira no Amazonas.

Waldo Mafra, o mestre Barrô, e Pedro Bolão em ateliê localizado no Quilombo do Curiaú (Fotos: Divulgação)

Waldo Mafra, o mestre Barrô, e Pedro Bolão em ateliê localizado no Quilombo do Curiaú (Fotos: Divulgação)

 O Gambá de Maués é um complexo sociocultural que agrupa práticas musicais, dança, cantigas, rezas de ladainha e confecção de instrumentos musicais com material orgânico da floresta. “O Gambá Grande é da minha cidade. Ele pertenceu ao meu finado tio (Mestre) Barrô, que era um mestre da tradição do Gambá de Maués. Com ambos os tambores (Gambá e Marabaixo) tenho uma relação de muito carinho”, disse Ygor.

Além de Maués, o Gambá também é difundido em outros municípios do baixo rio Amazonas. “O Gambá tem várias formas de ser celebrado e utilizado. O Gambá tem várias conotações. Tem essa conotação de ritual dentro da etnia dos saterés-mawés. Tem outra conotação que é um gamba mais ribeirinho, em que ele sim, tem uma face um pouco mais religiosa, onde rezam as ladainhas. Tem várias conotações”, detalhou o percussionista.

Màlúù Dúdú*

Adriano Aguiar, compositor e diretor musical do boi Caprichoso, disse que o Gambá Grande e o Marabaixo darão força ao espetáculo de arena. “A gente já tinha o Igor Brasil. Esse ano retorna o Ygor Saunier que em 2018 fez uma participação no Caprichoso justamente com o Marabaixo e outros diversos tambores que estarão presentes no Caprichoso, que vem para mostrar uma verdadeira festa da cultura popular”, disse.

Saunier é natural de Maués e tem no sangue a herança dos ritmos amazônicos (Foto: Paulo Bindá)

Para Saunier, utilizar o Gambá Grande e Marabaixo é um encontro com a uma Amazônia africana. “É um encontro com essa afroamazonicidade (sic). Eu estou dentro de uma arena, com uma manifestação popular de Parintins, com instrumento do Gambá e Marabaixo tocando Màlúù Dúdú que dá luz a toda essa luta da afroamazonicidade (sic). Luta de resistência. Os tambores estão aqui a serviço do que sempre foram: resistência”, disse o pesquisador.

Identidade e Reconhecimento

Para Ygor, cada vez mais se está reconhecendo o tambor como ponto central de identidade. “A pergunta central da minha pesquisa é: quais os tambores da Amazônia. Será que a gente conhece? Aqui no boi-bumbá é o surdo, a caixinha e o repique. Em Macapá é a caixa de Marabaixo. Em Maués é o tambor de Gambá. No Pará, é o curimbó, utilizado no carimbó. Temos os tambores dos Ashaninkas. No meu mapeamento são quase 30”, explicou.

Igor Lima e Alessandro Slva compõem o time de percussionistas ao lado de Saunier (Foto: Paulo Bindá)

Além de Saunier, a sessão de percussão do bumbá conta com os músicos Igor Lima Brasil, com uma alfaia de tradição nordestina, utilizado no Maracatu, Coco e Ciranda. E o Alessandro Silva, o Acerola, toca um tambor do tipo Djember, originário de Guiné na África Ocidental e considerado um dos instrumentos mais importantes da cultura africana. “É uma sessão rítmica que dá muita luz aos tambores da Amazônia”, acrescentou Ygor.

Mar a baixo

Ygor explicou que a terminologia nasceu na travessia dos africanos trazidos para o Brasil e que desembarcaram em Macapá, capital amapaense. Francisca Ramos dos Santos, conhecida como Tia Chiquinha, contou à Saunier em 2014 em entrevista para o doutorado do pesquisador, que durante a travessia por meio dos tumbeiros muitos morriam devido às condições insalubres. A quilombola, mãe de Mestre Pedro Bolão, morreu aos 94 anos.

“Muitos eram príncipes africanos e lideranças. Um desses príncipes faleceu devido as péssimas condições de sobrevivência no navio. Os demais tiveram que colocar o corpo no mar, sem velar ou realizar as tradições. E quando esse corpo ia ‘mar a baixo’, então começavam a tocar essa tradição. É uma tradição de lamento e surge o nome do ritmo e da manifestação: marabaixo, a partir dessa ligação com o mar”, detalhou Saunier.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *